Ainda ouvimos que videogames são brinquedos “de garotos”. Desfavorecidas neste meio, as mulheres gamers ainda encontram resistência nesse universo.
O mercado de games na América Latina já fatura mais de US$ 130 bilhões por ano. Sem dúvidas, o segmento de jogos eletrônicos para consoles e PCs tem se tornado cada vez mais popular. A indústria tem criado diversas oportunidades, inclusive de carreiras profissionais, e produtos para todos os públicos e gostos. Mesmo assim, ainda ouvimos que videogames são brinquedos “de garotos”. Pesquisas, porém, indicam que as mulheres estão assumindo os controles.
Um levantamento encomendado pela Brasil Game Show (BGS) em parceria com o Datafolha, revelou o perfil dos jogadores brasileiros e suas preferências. Um quarto dos brasileiros acima de 12 anos tem o hábito de jogar videogames e 47% deles são mulheres.
Este resultado pode parecer estranho para o público de jogadores, pois boa parte dos homens afirmam encontrar mais usuários masculinos que femininos nas plataformas multiplayer, por exemplo. Entretanto, há vários motivos que levam os gamers a ter essa percepção. Um estudo realizado pela Pesquisa Gamer Brasil (PGB) aponta que as jogadoras preferem utilizar dispositivos móveis, como celulares (69,8% de preferência), enquanto os meninos preferem consoles.
Isto chama atenção para um outro problema: a dificuldade ao acesso a videogames como PlayStation, Nintendo Switch ou Xbox é uma barreira para garotas desde a infância. O apoio da família em relação aos interesses das meninas é essencial para que elas se sintam confortáveis no ambiente e tenham acesso aos jogos de forma segura. No entanto, o contato com videogames não é tão incentivado para as meninas quanto é para os meninos.
Desfavorecidas neste meio, as mulheres ainda encontram resistência em diversos estilos de jogos. Os games que conectam pessoas de diferentes localizações no mesmo ambiente virtual, por exemplo, costumam ser tóxicos. Uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Ohio questionou 293 garotas que jogavam em média 22 horas semanais sobre o assunto e 100% das entrevistadas confirmaram que já haviam sofrido assédio em jogos online.
Por relatos, é possível constatar que é comum que mulheres recebam propostas sexuais, xingamentos ou ainda alusões ao estupro durante as jogatinas. Comentários machistas como “vai lavar a louça” e “volta para a cozinha” também são utilizados para agredir psicologicamente as jogadoras. Por esse motivo, grande parte do público feminino abandona os jogos online.
Há ainda um problema estrutural presente nos próprios jogos, não necessariamente relacionado ao comportamento dos jogadores. A possibilidade de possuir qualquer identidade e assumir diversas funções pode ser um dos maiores atrativos do mundo dos games, mas quando se trata de personagens para o público feminino, a variedade ainda deixa a desejar.
Representadas por estereótipos de corpo, etnia e personalidade, as mulheres dos jogos se dividem entre a heroína forte e extremamente sexualizada ou a ingênua e indefesa mocinha. Boa parte das personagens mulheres aparecem vestindo roupas curtas e justas em um corpo magro, com seios e nádegas avantajados – o mesmo estereótipo de beleza que é reproduzido na sociedade não virtual. Sem opções, muitas meninas que jogam não se sentem representadas por essas imagens.
O cenário começou a mudar
Com o nítido crescimento da participação feminina no mundo gamer, o cenário tem potencial para mudar e se tornar mais inclusivo. O número de mulheres que se definem como PC Gamers nunca foi tão grande, e a participação delas também tem crescido no mercado profissional, nas competições de eSports e também de forma mais amadora, através de streamings. Bibi Tatto, Malena e Cherryrar são exemplos de YouTubers famosas no segmento.
Os games também têm mudado suas propostas de conteúdo e contribuído para a disseminação da igualdade de gênero. Existem inúmeros exemplos de jogos que alteraram significativamente o visual das personagens a fim de criar representações mais fidedignas.
Os trajes apelativos, por exemplo, estão cedendo espaço para novas heroínas cheias de poder e energia. A tendência é que as empresas continuem ouvindo esse público ao tomar decisões estratégicas sobre seus produtos e sigam auxiliando a mudança dos discursos de segregação, que excluem a perspectiva feminina da indústria.
Para quem vende ou desenvolve games e equipamentos relacionados a esse mercado, a inclusão das mulheres não poderia representar uma notícia melhor. As garotas estão à procura de novos jogos e, por consequência, de hardware mais poderoso que maximize suas experiências como jogadoras.